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quinta-feira, 22 de novembro de 2012

lunático


 O branco tomou conta dos seus olhos, que se abriram cansados e temerosos. Lembrava-se vagamente das últimas horas – como foi perseguido por milhas e milhas (ou assim lhe pareceu) até que suas mãos foram atadas. Foi nesse momento que sentiu a agulha fina perfurando seu corpo, enquanto o líquido quente invadia suas veias e sugava-lhe o ferro, deixando a sensação de formigamento no lugar. Lembrava-se do sentimento de inutilidade quando já não era dono de seus movimentos e só pode se deixar ser amarrado. E, agora que estava relativamente consciente, sabia que o momento que tanto adiara estava diante de si. Eles o pegaram.
 Voltou a sentir seus braços e pernas e soube que ambos estavam presos por panos fortes à cama. A cabeça ainda estava pesada demais para ser levantada, portanto restou-lhe o movimento dos olhos para perceber onde estava. Frascos que pareciam xaropes se alinhavam perfeitamente pelas prateleiras de um armário de vidro emoldurado por madeira rústica. Não havia janelas; a única saída era uma porta de aço que ficava na frente na cama, rodeada por paredes que eram forradas pelo que pareciam finos colchões brancos, dando-lhe a impressão de que poderia atirar-se contra elas e nenhum dano seria feito. Tudo no quarto era branco, exceto por uma única e solitária rosa vermelha, que repousava na mesa branca ao lado da cama.
Começo de um conto qualquer. Dois parágrafos sem conclusão podem fazer sentido se souber ler com outros olhos. 

segunda-feira, 1 de outubro de 2012

Crônica da noite

 Era noite de ligar a luz vermelha e cuspir seus suspiros e "ah, monsieur". Cortesã que era, bem sabia ser apenas um eufemismo para puta. Sua era a noite e deles era o prazer; há quem diga que o corpo era dela, mas todos sabemos como ela o entregava de bom grado diante da quantia certa de dinheiro - e este era o verdadeiro dono do seu ser. Sim, eram os homens que a possuíam, mas o dinheiro era a passagem. Era escrava e amante do dinheiro.
 E nesse vai e vem de clientes endinheirados surge o nosso herói. Garoto conhece garota. Ele detinha as notas e ela detinha o orgasmo; dançaram em frente ao espelho, disseram obscenidades e entrelaçaram-se entre os lençóis. Ele notou o chapéu coco ao lado do espelho. Chegava a ser cômico, imaginá-lo na cabeça da cortesã que exalava feminilidade por debaixo do seu corpo. Mas era também sensual à sua própria maneira. O chapéu coco era a vericidade de sua idealização. Através do chapéu coco sabia que a cortesã não era ordinária - não por ser uma cortesã, mas sim por imaginá-la caminhando com o chapéu coco na cabeça pelas ruas.
 Tornou-se cliente regular. Nenhum dos dois dava a importância devida a necessidade de que se pagasse pelo amor (se é que era isso que o fazia entregar-se à noite). Esqueceu-se de como podia ser perigoso apaixonar-se por uma cortesã. Ela, que sempre fora de todos e nunca tivera alguém seu, deliciava-se com as juras do herói enquanto alisava seus braços sensualmente. Quando a manhã surgia, o prestígio do pequeno monte verde era ainda mais prazeroso. Quem sabe poderia comprar um novo chapéu e livrar-se da maldita velharia que detinha! Odiava o chapéu coco. Era a metáfora de todos os seus dilemas, todos os seus feitos e jeitos malditos. Precisava se livrar do chapéu coco. 
 E nesse paradoxo as noites continuavam e a cada pôr-do-sol ele batia à sua porta e entregava-se ao êxtase momentâneo de sua companhia. Em seu clímax, olhava para o chapéu coco e colocava-o mentalmente na cabeça da cortesã. Sussurrava palavras de amor e acreditava ganhá-lo em retorno. Acreditava que um dia eles fugiriam juntos, comprariam uma casa no campo e um cachorro que os acompanhasse com croissants na boca.
 Qual foi a sua surpresa quando bateu à porta e não teve resposta. Girou a maçaneta, encontrando o quarto vazio e a cama perfeitamente ajeitada. A aba do chapéu coco aparecia discretamente por detrás do espelho. Não havia sinal da cortesã - havia apenas a lembrança impressa no tecido do chapéu. Observou-o por alguns segundos e, afinal, atirou-o furiosamente contra a parede. Maldito chapéu coco! Maldita cortesã! ordinária! prostituta! usurpadora! mercenária! Ordinária.
 Roxanne comprou um chapéu de plumas. O vestido vermelho contrastava-se com as luzes da cidade de Paris, e sorria como um crocodilo aos olhares maliciosos que pousavam sobre seu corpo. Andava de cabeça erguida, parcialmente alheia aos pescoços que viravam-se ao seu caminhar. Deixara a pequena cidade e o herói para trás, passou a gastar seus dias trabalhando como garçonete de um bistrô e suas noites como sonhadora ávida que nunca mostrara ser. Mudou o nome. Comprou um novo chapéu.

sexta-feira, 21 de setembro de 2012

Está chovendo de novo; pena que perco um amigo.

 "Será que esse Sol nunca vai embora?", ela se perguntava, fazendo o tão conhecido caminho para casa. Observava as pessoas ao seu redor; gostava de inventar suas histórias, que viajavam entre mulheres que flertavam com homens ao longo das ruas da cidade apenas para terminar a noite sozinhas, e crianças que dentro de alguns anos tornariam-se artistas com o coração sangrento. Imaginava histórias, e esquecia-se de escrever a sua própria - ela talvez não achasse interessante a maneira como as coisas seguiam naqueles dias ensolarados. O Sol não é tão interessante como a chuva, assim como a estabilidade não é tão espetacular quanto a instabilidade.
 Deparou-se com cinco ou seis crianças que corriam em círculos, umas atrás das outras, e soltavam gargalhadas altas e gritos de surpresa quando alguma delas tropeçava. Foi atingida por um sentimento de nostalgia, invadida por memórias dos anos em que a faculdade, os estereótipos, o dinheiro, a amizade, o amor, a responsabilidade e sua própria existência não eram fatores importantes. "Como é fácil", ela pensou, "brincar em cadeiras de balanço, sem se preocupar com a idade que se tem". E como a idade os dezessete anos são um problema! Não são dezesseis e nem dezoito. Como pode uma pessoa agir como dezessete?
 - Você age como criança às vezes.
 - E qual o mal nisso?
 - Não vai dar certo. Eu não sou criança. 
 - Pois devia. 
 - ...
 - Vou sentir sua falta.
 - ...
 Uma pequena gota de chuva escorreu de seus olhos. Quase conseguia vê-lo ali na sua frente, embora soubesse que ele estava longe demais para ser visto. Cerrou os olhos numa tentativa inútil de se prender àquela alucinação. As gotas da chuva eram agora pesadas e não havia muito o que se enxergar, e ela correu. Correu para onde ele estivera. E tudo o que encontrou foi o portão de casa.


P.s.: Vou colocar meus textos aos poucos aqui. Acontece que blogspot é mais fácil que o weebly haha