segunda-feira, 1 de outubro de 2012

Crônica da noite

 Era noite de ligar a luz vermelha e cuspir seus suspiros e "ah, monsieur". Cortesã que era, bem sabia ser apenas um eufemismo para puta. Sua era a noite e deles era o prazer; há quem diga que o corpo era dela, mas todos sabemos como ela o entregava de bom grado diante da quantia certa de dinheiro - e este era o verdadeiro dono do seu ser. Sim, eram os homens que a possuíam, mas o dinheiro era a passagem. Era escrava e amante do dinheiro.
 E nesse vai e vem de clientes endinheirados surge o nosso herói. Garoto conhece garota. Ele detinha as notas e ela detinha o orgasmo; dançaram em frente ao espelho, disseram obscenidades e entrelaçaram-se entre os lençóis. Ele notou o chapéu coco ao lado do espelho. Chegava a ser cômico, imaginá-lo na cabeça da cortesã que exalava feminilidade por debaixo do seu corpo. Mas era também sensual à sua própria maneira. O chapéu coco era a vericidade de sua idealização. Através do chapéu coco sabia que a cortesã não era ordinária - não por ser uma cortesã, mas sim por imaginá-la caminhando com o chapéu coco na cabeça pelas ruas.
 Tornou-se cliente regular. Nenhum dos dois dava a importância devida a necessidade de que se pagasse pelo amor (se é que era isso que o fazia entregar-se à noite). Esqueceu-se de como podia ser perigoso apaixonar-se por uma cortesã. Ela, que sempre fora de todos e nunca tivera alguém seu, deliciava-se com as juras do herói enquanto alisava seus braços sensualmente. Quando a manhã surgia, o prestígio do pequeno monte verde era ainda mais prazeroso. Quem sabe poderia comprar um novo chapéu e livrar-se da maldita velharia que detinha! Odiava o chapéu coco. Era a metáfora de todos os seus dilemas, todos os seus feitos e jeitos malditos. Precisava se livrar do chapéu coco. 
 E nesse paradoxo as noites continuavam e a cada pôr-do-sol ele batia à sua porta e entregava-se ao êxtase momentâneo de sua companhia. Em seu clímax, olhava para o chapéu coco e colocava-o mentalmente na cabeça da cortesã. Sussurrava palavras de amor e acreditava ganhá-lo em retorno. Acreditava que um dia eles fugiriam juntos, comprariam uma casa no campo e um cachorro que os acompanhasse com croissants na boca.
 Qual foi a sua surpresa quando bateu à porta e não teve resposta. Girou a maçaneta, encontrando o quarto vazio e a cama perfeitamente ajeitada. A aba do chapéu coco aparecia discretamente por detrás do espelho. Não havia sinal da cortesã - havia apenas a lembrança impressa no tecido do chapéu. Observou-o por alguns segundos e, afinal, atirou-o furiosamente contra a parede. Maldito chapéu coco! Maldita cortesã! ordinária! prostituta! usurpadora! mercenária! Ordinária.
 Roxanne comprou um chapéu de plumas. O vestido vermelho contrastava-se com as luzes da cidade de Paris, e sorria como um crocodilo aos olhares maliciosos que pousavam sobre seu corpo. Andava de cabeça erguida, parcialmente alheia aos pescoços que viravam-se ao seu caminhar. Deixara a pequena cidade e o herói para trás, passou a gastar seus dias trabalhando como garçonete de um bistrô e suas noites como sonhadora ávida que nunca mostrara ser. Mudou o nome. Comprou um novo chapéu.

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