domingo, 21 de outubro de 2012

Humanos, de menos humanos!

É noite de espetáculo,
de cores tão vivas e pessoas tão mortas;
de casos e acasos tão longes do solo.
Ora, mais valem verdades por linhas tortas!

Me mostram sorrisos tabelados
e me vendem mentiras ensaiadas.
Condenam olhares chocados
e condenam máscaras desmascaradas.

Um dia o velho gritou "Não é certo!
No meu tempo as coisas foram diferentes...
Na minha época não fiquei quieto,
na minha época me arrancaram os dentes."

Cretino! Mentiroso!

Século atrás, século a frente
e diga-me, mudou o quê?
Não houve povo outrora contente.
Desde sempre pessoas por quê?

Humano, de menos humanos;
de movimentos planejados,
de alegria por baixo dos panos,
de pensamentos engradados.

Dos velhos arrancam as dentaduras
enquanto dos jovens arrancam as asas.
Algo falta, sempre falta.
Falta o algo.

Algo pelo que gritar, mudar, quem sabe até lutar.
Falta o que falta, falta o algo.
Esse algo que não sei, falta decifrar
Falta que o algo torne-se algo.

Humanos, de menos humanos.
Condenados a sentir falta desse algo
que nos torne demasiadamente humanos.
Mas ser humano dá preguiça.

E preguiça não rima com algo.

Distopia é apelido

Não dá pra achar conforto aí.

sexta-feira, 19 de outubro de 2012

Tempo


quem tem olhos pra ver o tempo soprando sulcos na pele
soprando sulcos na pele soprando sulcos?
o tempo andou riscando meu rosto
com uma navalha fina
sem raiva nem rancor
o tempo riscou meu rosto
com calma
(eu parei de lutar contra o tempo
ando exercendo instantes
acho que ganhei presença)
acho que a vida anda passando a mão em mim.
a vida anda passando a mão em mim.
acho que a vida anda passando.
a vida anda passando.
acho que a vida anda.
a vida anda em mim.
acho que há vida em mim.
a vida em mim anda passando.
acho que a vida anda passando a mão em mim
                      e por falar em sexo quem anda me comendo
é o tempo
na verdade faz tempo mas eu escondia
porque ele me pegava à força e por trás
 um dia resolvi encará-lo de frente e disse: tempo
se você tem que me comer
que seja com o meu consentimento
e me olhando nos olhos
acho que ganhei o tempo
de lá pra cá ele tem sido bom comigo
dizem que ando até remoçando
Viviane Mosé

Idalina

 Odeio aquelas conversas de hospital. "O que está tomando? Mora perto daqui? Veja, seu soro está acabando!" Não o meu. Quem me dera o mal-estar fosse apenas físico... Algumas coisas não são resolvidas com um litro de soro. Na realidade, hospitais são deprimentes. Todo aquele clima de abatimento, de doença, de preocupação, que faz pensar na morte. Não que o problema seja a morte, nunca tive esse medo do ato em si, mas é estranho pensar em um mundo sem mim porque tudo o que conheço é o mundo comigo! Bate aquela curiosidade de como ficarão sem você. A experiência me diz que dói, mas um dia você simplesmente aceita e para de pensar em quem se foi, até que um dia a lembrança volta e você se condena por não pensar em quem já foi tão querido um dia. Lembrei do sorriso dela; do brilho em seus olhos enquanto cuidava daquele jardim, aquelas flores que tanto amava, do afeto para com a casa, o amor pela natureza que a cercava. Sei, parece idealização, mas ela realmente existiu e eu cresci com ela. Contava os dias para os finais de semana e amava cada quilômetro da estrada para Arujá. E como era bom correr por aquele sítio, passar horas lendo com aquele ar de paz, de natureza, de tranquilidade, e tê-la ali sorrindo, brincando, contagiando qualquer um com o bom-humor e as festas semanais - todo dia era dia de comemoração. E de repente tudo isso acabou. A criança cresceu, e aquela tia amada se foi. Tão jovem e cheia de vida, como foi estranho não viajar mais, não contemplar os quadros que ela pintava com tanta perfeição. Tantos anos se passaram... Morrer é fácil. Quem morre não sente. Mas a morte deixa esse gosto amargo para quem fica, e ela não ensina a mudar a rotina, não existem meios para aprender a seguir em frente sem alguém tão importante. Mas temos que ir alguma hora, não é? Então que quando seja a minha vez, possa dizer que dei tudo o que podia dar de mim para as outras pessoas. Que eu não seja lembrada como a pessoa fria que me tornei, mas como ela. 
Dedicado a você, Idalina, onde quer que esteja. Você me deu momentos tão bons, por mais criança que fosse. Sinto a sua falta.

terça-feira, 16 de outubro de 2012

quinta-feira, 11 de outubro de 2012

Quisera eu que isso fosse um poema.

Quisera eu algum dia ser poeta
E com olhos assim tão ternos
O mundo ditar.
Quisera eu na ponta da caneta
Deter o destino, o amor, o ardor
Fazer do papel realidade idealizada
E na ideia assim mergulhar.
Quisera eu me iludir!
Quisera eu ao menos uma vez
Os olhos fechar e na mente divagar
Caminhar pelo paraíso do poeta
A avenida do cronista
O jardim do romancista.
Quisera eu as palavras decifrar
E nelas a beleza encontrar.
Fugir para o desconhecido...
Quem liga para o hoje? O importante é o amanhã!
Este amanhã tão belo e assustador
Este amanhã incerto
Este amanhã que hoje surge.
Mas não sou poeta e na noite não enxergo o arco-íris
Não se confunda, querido leitor - isso não é um poema
Não há nestas linhas tortas lirismo, rima, sentimento
E não existe poema sem sentimento!
Hei de julgar-me pela falta de parágrafos
E por uma página o chão abandonar.
Quisera eu algum dia ser poeta.
Quisera eu...
Voltemos à prosa!

quarta-feira, 10 de outubro de 2012

Todos os meus livros têm manchas de café

 Parei pra pensar no café.
 Nunca fez muito sentido, esse meu amor pelo café.
 Não só amor - admiração, vício e até uma certa idolatração.
 Adulação.
 Porque é o café minha divindade, meu transcendente, meu rei e governante.
 O café não te abandona, não faz de você mero objeto.
 O café não te machuca.
 É capaz de transformar a fervura em conforto
 E o amargo em alívio.
 É um prazer simples, alcançável, fácil.
 Não é preciso esperar que o café te encontre.

(Achei isso num caderno antigo, e sim, ele termina de repente... Não lembro o por quê disse mas foi interessante ver coisa passada.)

terça-feira, 9 de outubro de 2012

Meu problema é o realismo - é manter os pés no chão enquanto querem me fazer voar.

Sonhador.

Por mais que seja clichê, você me ensinou a ter medo dessa coisa de ser normal. Por isso, só tenho a agradecer, John. Você é parte do que sou e me ensinou muito. É aquela coisa de insubstituível, sabe...
Feliz aniversário, morsa.

domingo, 7 de outubro de 2012

E foi por bem querer...

 Eu sou sua menina, viu.
 E hoje o coração não tá cheio de poesia; hoje aumento o volume da música, mas a guitarra do David Gilmour não é alta o suficiente para calar os pensamentos. Hoje vejo como a Lua é grande - ela é grande, eu sou pequena. Hoje eu procuro o seu lado sombrio, e não pergunte como! encontrei o arco-íris na noite.
 Sou o apunhado de pedaços que espalham-se pelos lugares, pela cidade, pelo país. Pode me encontrar nos paralelepípedos de São Paulo ou no mar salgado do Rio de Janeiro; no tédio do Rio Grande do Sul ou no passado de Santa Catarina. Vá em frente, é sua vez de tirar outro pequeno pedaço! Guarde-o onde quer que esteja, essa parte tem o seu nome escrito, senhor - essa parte espera pela dor do bisturi arrancando-a. Doce é a dor, doloroso é o amor.
 Me fiz em mil pedaços pra você juntar. 

sexta-feira, 5 de outubro de 2012

 Brinquedos não foram feitos para te acompanhar durante a eternidade e droga!, desisti da minha boneca preferida.

quinta-feira, 4 de outubro de 2012

Autoexplicativo.


But you didn't have to cut me off
Make out like it never happened and that we were nothing
And I don't even need your love
But you treat me like a stranger and that feels so rough
No, you didn't have to stoop so low
Have your friends collect your records and then change your number
I guess that I don't need, that though
NOW YOU'RE JUST SOMEBODY THAT I USED TO KNOW.

segunda-feira, 1 de outubro de 2012

Crônica da noite

 Era noite de ligar a luz vermelha e cuspir seus suspiros e "ah, monsieur". Cortesã que era, bem sabia ser apenas um eufemismo para puta. Sua era a noite e deles era o prazer; há quem diga que o corpo era dela, mas todos sabemos como ela o entregava de bom grado diante da quantia certa de dinheiro - e este era o verdadeiro dono do seu ser. Sim, eram os homens que a possuíam, mas o dinheiro era a passagem. Era escrava e amante do dinheiro.
 E nesse vai e vem de clientes endinheirados surge o nosso herói. Garoto conhece garota. Ele detinha as notas e ela detinha o orgasmo; dançaram em frente ao espelho, disseram obscenidades e entrelaçaram-se entre os lençóis. Ele notou o chapéu coco ao lado do espelho. Chegava a ser cômico, imaginá-lo na cabeça da cortesã que exalava feminilidade por debaixo do seu corpo. Mas era também sensual à sua própria maneira. O chapéu coco era a vericidade de sua idealização. Através do chapéu coco sabia que a cortesã não era ordinária - não por ser uma cortesã, mas sim por imaginá-la caminhando com o chapéu coco na cabeça pelas ruas.
 Tornou-se cliente regular. Nenhum dos dois dava a importância devida a necessidade de que se pagasse pelo amor (se é que era isso que o fazia entregar-se à noite). Esqueceu-se de como podia ser perigoso apaixonar-se por uma cortesã. Ela, que sempre fora de todos e nunca tivera alguém seu, deliciava-se com as juras do herói enquanto alisava seus braços sensualmente. Quando a manhã surgia, o prestígio do pequeno monte verde era ainda mais prazeroso. Quem sabe poderia comprar um novo chapéu e livrar-se da maldita velharia que detinha! Odiava o chapéu coco. Era a metáfora de todos os seus dilemas, todos os seus feitos e jeitos malditos. Precisava se livrar do chapéu coco. 
 E nesse paradoxo as noites continuavam e a cada pôr-do-sol ele batia à sua porta e entregava-se ao êxtase momentâneo de sua companhia. Em seu clímax, olhava para o chapéu coco e colocava-o mentalmente na cabeça da cortesã. Sussurrava palavras de amor e acreditava ganhá-lo em retorno. Acreditava que um dia eles fugiriam juntos, comprariam uma casa no campo e um cachorro que os acompanhasse com croissants na boca.
 Qual foi a sua surpresa quando bateu à porta e não teve resposta. Girou a maçaneta, encontrando o quarto vazio e a cama perfeitamente ajeitada. A aba do chapéu coco aparecia discretamente por detrás do espelho. Não havia sinal da cortesã - havia apenas a lembrança impressa no tecido do chapéu. Observou-o por alguns segundos e, afinal, atirou-o furiosamente contra a parede. Maldito chapéu coco! Maldita cortesã! ordinária! prostituta! usurpadora! mercenária! Ordinária.
 Roxanne comprou um chapéu de plumas. O vestido vermelho contrastava-se com as luzes da cidade de Paris, e sorria como um crocodilo aos olhares maliciosos que pousavam sobre seu corpo. Andava de cabeça erguida, parcialmente alheia aos pescoços que viravam-se ao seu caminhar. Deixara a pequena cidade e o herói para trás, passou a gastar seus dias trabalhando como garçonete de um bistrô e suas noites como sonhadora ávida que nunca mostrara ser. Mudou o nome. Comprou um novo chapéu.