domingo, 25 de maio de 2014

Feminismo: essa ideia louca de achar que mulher é gente

São Paulo, 24 de maio de 2014 - "Machistas, machistas, não passarão!" Uma multidão de aproximadamente 100 mulheres encurralou um homem que fez um comentário contra as militantes que acompanhavam a Marcha das Vadias. Sem qualquer indício de violência, percebia-se nos olhos daquele homem que ele nunca imaginou ser assustado por mulheres que gritavam contra o machismo, conceito com o qual ele provavelmente conviveu de acordo por toda a sua vida.
Machistas não passariam, mas as mulheres (que não são putas, nem santas) sim. Não sei o número exato de adolescentes, adultas, idosas e até crianças que caminhavam pela Avenida Paulista e a Rua Augusta gritando por seus direitos: o respeito, a liberdade sexual, o fim da opressão e controle sob o próprio corpo. Nos cartazes, mensagens como "Assobio não é elogio" e "Feminismo: essa ideia louca de achar que mulher é gente" tinham o objetivo de chocar e conscientizar. Afinal, era grande a quantidade de homens que saíam dos bares e comércios da Augusta para observar e, muitas vezes, comentar sobre os "peitos de fora das feministas".
Esse último, na verdade, foi o que mais me chamou atenção por toda a Marcha. O motivo é simples: há algumas décadas, o pensamento de que uma mulher seria gente assim como um homem seria irracional. Só seria algo pensado por uma mulher e este pensamento, por sua vez, seria calado por medo da sociedade patriarcal. O tema adotado pela Marcha (Quem Cala Não Consente) era extremamente presencial dentro de casa, uma vez que o dever da mulher era procriar e dar ao patriarca os filhos varões que seriam seus herdeiros.
Será que o papel e a imagem da mulher mudaram tanto assim desde então? Claro que as vitórias não podem ser ignoradas. A mulher está inserida no mercado de trabalho (muitas vezes com salários mais baixos do que os homens). A mulher pode ser mãe solteira (e será considerada puta, vadia). As mulheres são encontradas nos bares (apesar do fato de que mulher bebendo cerveja é feio). A mulher não é mais obrigada a cobrir todo o corpo (mas ela precisa entender que shorts, saia e vestidos curtos são pedidos de estupro).
No dia seguinte, li uma notícia sobre uma mulher que foi assassinada por... ser mulher. O assassino declarou que as mulheres devem ser tratadas dessa forma porque são elas as culpadas por acharem que são superiores aos homens. Não faz sentido a mulher deter o poder sobre quem vai transar e quem não vai. Os homens devem fazer essa escolha por elas, a fim deixar de criar os filhos que nascem da relação entre a mulher e o parceiro não ideal escolhido por ela. Os homens devem escolher as suas parceiras de acordo com os seus interesses quanto ao futuro de toda a geração. A mulher deve calar, sem consentir.
É patético (não existe outra palavra), portanto, pensar que o feminismo é uma causa desnecessária. Quantas vezes ouvimos que a mulher não precisa mais lutar pelos seus direitos por já tê-los conquistado - esquecendo dos parênteses que seguem todas as conquistas - e deveria defender outras causas? Quantas vezes já fomos reprimidas sexualmente - muitas vezes por outras mulheres, por pessoas da sua família - por desejar a liberdade de escolher parceirxs de acordo com nossa preferência e opção sexual? E depois de exercer essa liberdade, quantas vezes nos sentimentos culpadas por essa escolha não corresponder aos padrões das pessoas com as quais temos contato?
Por isso, a nossa luta é todo dia. Parece radical, parece utópico - mas penso que a luta deve continuar até que o termo feminismo não seja mais necessário. A luta deve seguir enquanto o machismo, racismo, homolesbotransfobia, o feminismo transfóbico e a opressão existirem, enquanto mulheres sejam assassinadas, linchadas, espancadas, julgadas e estupradas por exercerem atividades que são do seu direito. Até o dia no qual não precisaremos provar que somos gente como toda a gente.